domingo, 15 de janeiro de 2012

Referência em pole dance, brasileira diferencia esporte de striptease


Pole dance 'muda' par ser aceita como esporte. Atletas passaram a se dividir entre apresentações acrobáticas, artísticas e até nas ruas.


 Campeã sul-americana e brasileira de pole dance em 2009, Rafaela Montanaro é ressabiada ao conceder uma entrevista. "Só para ter certeza: estamos falando de pole dance como esporte, certo? E não de striptease...", a atleta escreve, em um e-mail, antes de atender seu telefone e demonstrar disposição para atacar os preconceitos em relação a sua modalidade esportiva.

A preocupação de Rafaela não é sem motivo. Prática comum em casas de entretenimento adulto, o pole dance sensual também ganhou fama em filmes como "Striptease", protagonizado por Demi Moore, e em novelas brasileiras. Entre 2007 e 2008, a atriz Flávia Alessandra interpretou em "Duas Caras" uma personagem que vestia tapa-sexo de couro enquanto dançava ao redor de uma barra vertical.

Na última década, contudo, o pole dance se desenvolveu como esporte - as atletas passaram a se dividir entre apresentações acrobáticas, artísticas e até nas ruas, penduradas em postes, no caso do chamado "street pole dance". Diversas federações promovem campeonatos sérios pelo mundo. Para competir, Rafaela Montanaro treina cinco horas por dia, cinco vezes por semana, e exibe um corpo musculoso.

"O pessoal fala muito que o pole dance pode se tornar um esporte olímpico. Para mim, não precisava estar nas Olimpíadas, desde que fosse respeitado. O surfe não faz parte dos Jogos, e ninguém chama uma surfista de stripper só porque ela pega onda de biquíni", comparou a pole dancer, que ainda é vítima da confusão do público. Ela já recebeu até um convite virtual para dançar em uma despedida de solteiro - recusado de imediato.

A própria família de Rafaela mostrou resistência quando ela iniciou carreira como pole dancer. Sobrinha do ex-jogador de vôlei José Montanaro Júnior, medalhista de prata nas Olimpíadas de Los Angeles-1984, a atleta é filha de dois professores de Educação Física e já se dedicava a atividades esportivas muito antes de enfrentar a aversão deles à nova profissão. "Comecei na ginástica olímpica aos três anos. Também fiz balé, jazz, kung fu, salto com vara... Acho que é só", recordou, aos risos.




Aos 17 anos, Rafaela foi aprovada em uma série de testes e em "uma prova pior do que a da USP" para poder estudar circo na Écola Nationale des Arts du Cirque, em Rosny-sous-Bois, na França. Após vivenciar a experiência de morar sozinha em outro país, retornou ao Brasil e ingressou na Faculdade de Educação Física. Um vídeo publicado na internet, com imagens da pole dancer australiana Felix Cane (bicampeã mundial), fez com que ela não seguisse a mesma atividade dos pais.

"Depois de assistir a esse vídeo, em 2008, decidi que queria fazer pole dance. O esporte ainda não era tão difundido no Brasil, então demorei a arrumar uma professora. Encontrei uma, a Sarita, por indicação de um amigo do meu namorado", lembrou Rafaela, que logo convenceu a mãe da seriedade de sua empreitada. "Ela ficou louca da vida, achando que era coisa de stripper. Mas o melhor jeito de acabar com o preconceito é mostrar do que se trata o pole dance. Levei a minha mãe para ver uma aula, e ela percebeu que não tinha nada de mais."

Rafaela Montanaro ganhou projeção como pole dancer rapidamente. Meses depois de começar a praticar, conquistou os campeonatos brasileiro e sul-americano. Também se destacou nas maiores competições mundiais, o Miss Pole Dance World e o International Pole Championship, com o prêmio "pole tricks" e o terceiro lugar geral no primeiro e o título da categoria "pole fitness" no segundo. "Por tudo isso, é até complicado para mim falar sobre o preconceito. Como apareci logo no esporte, devo ser a única pole dancer do mundo que não sofreu com isso."

Referência brasileira na modalidade, Rafaela passou a dar aulas particulares de pole dance e workshops até em outros países, como Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos. "Como as alunas veem os meus vídeos, elas já chegam querendo praticar o pole dance como um esporte. Ninguém aparece com a intenção de aprender alguma coisa diferente para mostrar ao namorado, por exemplo", garantiu a professora, que está inativa por conta de uma lesão, porém continua a cativar as suas clientes. "Elas começam a praticar pole dance e não param mais. Foi assim com todas as alunas. Lembro de uma menina que chegou bem gordinha, entrou em forma e já foi competir nas categorias amadoras", mencionou, orgulhosa.

A poucos dias de seu 27º aniversário, Rafaela Montanaro sabe que o próximo passo na carreira é se engajar um pouco mais na política do esporte. "Até que o pole dance está mais organizado no Brasil. O ruim é que metade do pessoal que diz querer ver a atividade como esporte nunca praticou um esporte na vida. Eles não têm noção de algumas coisas. Por isso, acho que não tenho tanta escolha: vou precisar me envolver. Só não gosto de brigar, e a galera briga bastante nesse meio. É muita mulher, muito ego", lamentou.

Rafaela Montanaro já foi jurada em alguns torneios de pole dance e é ferrenha defensora da implantação de um código de arbitragem para todas as competições. Dessa forma, a exemplo da ginástica artística, seriam estabelecidos critérios para que as atletas recebessem notas para as suas apresentações de acordo com movimentos obrigatórios, livres, mais difíceis ou menos. "Sem se esquecer de reservar uma parte da avaliação à expressão artística de cada uma, que é importante", acrescentou a atleta, satisfeita com a evolução de seu esporte. "Olimpíadas? Possível sempre é. Só não sabemos quando", sorriu.

Em meio aos Jogos Pan-americanos de Guadalajara, um empresário mexicano já abriu os olhos para o futuro do pole dance. Ele decidiu criar o seu próprio campeonato da modalidade. O local do evento, no entanto, certamente é reprovado por Rafaela e outras atletas: uma casa de entretenimento masculino.



Por Helder Júnior (Gazeta)

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